segunda-feira, 23 de maio de 2011

PostHeaderIcon Cannes 2011 ou quando o “patrulhamento ideológico” (quase?) se sobprepõe ao cinema

Lars von Trier

Melancholia

A árvore da vida

A árvore da vida


Em sua 64º edição, o festival de Cannes teve como protagonista uma polêmica não cinematográfica; trata-se da desastrada declaração do cineasta dinamarquês Lars von Trier, o qual, provocativamente, demonstrou simpatia para com Hitler e o nazismo. Certamente Trier sabia que estava mexendo em vespeiro, mas parece-me ter sido deveras ingênuo em não acreditar que a reação pudesse ser tão extrema (o cineasta foi expulso do festival, embora seu filme tenha permanecido entre os concorrentes). Ou será que sua afirmação de que estaria chocado com a reação não passa de puro cinismo? (não tenho e menor dúvida que Trier é profundamente perturbado, mas igualmente genial, persuasivo, corajoso, provocador, iconoclasta e etc.). Sua afirmação, segundo a qual “Talvez Cannes tenha me expulsado para que eu me torne um rebelde maior.”(http://ultimosegundo.ig.com.br/cannes/expulso+de+cannes+von+trier+acha+desagradavel+pedir+desculpas/n1596966883626.html) quiçá pode indicar que seu objetivo maior não era promover seu filme, mas sua visão de mundo (acabo de perceber que terei de esforçar-me imensamente para não converter este texto sobre Cannes numa hermenêutica pessoal da figura fascinantemente asqueirosa – ou asqueirosamente fascinante – e altamente contriversa de Trier). Fato é que a polêmica declaração não vitimou apenas a pessoa do cineasta, mas também seu filme, (em entrevista com Trier, intitulada “Preciso beber e tomar remédio”, a edição do último sábado 21/05/2011 do Jornal do Commercio, Caderno C, p. 4 informou que “o novo longa-metragem de von Trier, Melancholia, que disputa a Palma de Ouro, pode ter sua distribuição internacional boicotada. A rede de cinemas DC, da Argentina, já descartou seu lançamento, que no Brasil está previsto para 5 de agosto”); além disso, mais de uma das fontes por mim consultadas (uma delas antes da premiação, a título de previsão do que poderia ocorrer, outra, posteriormente, a título de explicação do ocorrido), afirmaram que “Melancholia” poderia sair da briga por premiações centrais (melhor filme, melhor diretor) por conta das declarações de seu relizador (saliente-se aqui: tais declarações de Trier nada têm a ver com o conteúdo do filme, ou seja, trata-se dum julgamento exôgeno, de pressões político-ideológicas externas ao âmbito cinematográfico). E, de fato, “Melacholia” foi agraciado tão somente com o prêmio de melhor atriz para Kirsten Dunst, o que gerou a seguinte pergunta: “A escolha de Kirsten Dunst como melhor atriz, por 'Melancholia', esconde uma pergunta, apesar de seu bom trabalho: não teria sido um prêmio de consolação, depois de Lars Von Trier literalmente dar um tiro no pé ao levar uma piada longe demais?” (http://ultimosegundo.ig.com.br/cannes/premiacao+tem+zebras+inexplicaveis/n1596971444326.html), pergunta esta respondida positivamente pelo mesmo texto.

Entretanto, nem só de Lars von Trier vive o cinema autoral de qualidade realizado atualmente, tendo sido o veterano “estadosunidense” Terrence Malick agraciado com a Palma de Ouro de melhor filme nesta polêmica 64º edição do festival de Cannes, com o filme “A árvore da vida” (The tree of life). Autor de filmes clássicos da década de 1970 como “Terra de ningém”(Badlandas, 1973) e “Cinzas no paraíso” (Days of heaven, 1978), Malick sumiu do mapa cinematográfico, retornando 20 anos depois, com o excepcional “Além da linha vermelha” (The thin red line, 1998). Penso que, se, por um lado, a recepção positiva de “A árvore da vida” não foi unânime (longe disso), não é menos verdade que o filme já era considerado um dos favoritos antes da “questão Trier” e que, embora “Melancholia” pudesse, num contexto político ideológico não tão flagrantemente desfavorável, ter brigado realmente pelo prêmio, não ficou no ar (ao menos assim me pareceu, de longe como estou) a sensação de que a escolha pelo filme de Malick tenha se dado exclusivamente pelo fato de Trier não poder ser premiado.

Polêmicas à parte (a serem retomadas posteriormente aqui, em momento oportuno), fomos agraciados com duas promessas de filmaços de dois de meus cineastas favoritos (Malick apenas por “Além da linha vermelha”, seu único filme que assisti até então), Trier por seus últimos filmes (não me agradam os primeiros). Resta torcer para que o “patrulhamento ideológico” não inviabilize sua exibição por estas bandas (embora eu acredite que haverá estados brasileiros nos quais há chance real de isto ocorrer, infelizmente).

Ps. não mencionei os demais filmes, pois desconheço não somente a eles, mas também a seus realizadores; porém, a coisa mais fácil do mundo é informar-se sobre os premiados via internet.



Alberto Bezerra de Abreu, 23/05/2011 (redigido ao som de Rachmaninov)


10 comentários:

Márcia disse...

Então, srá q vai ter boicote ao filme de Lars??/ tb me perguntei isso. Achei a declaração dele descabida, mas olhando pelo lado q vc cita aqui no seu post...poderia ter sido uma jogada de marketing mesmo, mas q deu errado no fim. Ele acabou ofuscando o seu filme e deve ter ficado na companhia da "melancolia" de seus pensamentos.

Adorei o post Miradouro!
bjs!

Miradouro Cinematográfico disse...

Tenho minhas dúvidas se a declaração dele foi descabida, e o fato de não ter tido acesso a ela na íntegra (confesso que não procurei muito, mas acredito que a imprensa deveria divulga-la inteira e dentro do contexto) não me permite tomar partido. A afirmação dele em entrevista, dizendo que ao dizer que "entendia Hitler" remete ao filme "A queda - a últimas horas de Hilter" é bem justificada, pois este filme mostra o lado humano de Hitler (sim, ele era humano, e não o demônio encarnado como pensam muitos e a crueldade não constitui uma desumanidade mas, ao contrário, algo notoriamente humano). Porém, em Cannes ele afirmou literalmente que era nazista. Fica difícil acreditar que alguém da estatura de Trier (não sei se ele possui uma cultura enciclopédia, mas tenho certeza que não se trata duma pessoa comum/ vulgar, nem lá muito inocente...) não esperaria uma reação desproporcional a um tal comentário, já que existe um patrulhamento ideológico fortíssimo em torno desta questão; falar mal de judeu hoje em dia já torna o indivíduo anti-semita e, por extensão, nazista. Ou seja, efetuar qualquer tipo de crítica ao judaismo é pedir por problemas. E como Lars fez muito mais que isso, falando bem do nazismo (uma brincadeira jamais admissivel ainda nos dias de hoje) e reação foi fortíssima.

A idéia da declaração como marketing me ocorreu ao ler uma entrevista sua, e isso me deu um "insight" p/ todo um texto acerca de tal persona singular. Trata-se talvez do melhor cineasta em atividade dentre aqueles que não são da velha guarda (como Werner Herzog e Andrzej Wajda) e quiçá tão bom quanto estes (sem resalvas).

Obrigado. É bom saber que alguém gosta disto aqui além de mim.

Pedro disse...

Olá, Alberto:

Acesso com certa frequência o Miradouro, também, rapaz! Talvez se você postasse os artigos num intervalo de tempo menor, tivesse bem mais leitores. Material guardado eu sei que tem... Isso é só uma opinião, longe de mim meter o bedelho no blog dos outros...

Forte abraço,
Pedro

Miradouro Cinematográfico disse...

O "problema" é justamente este: muitos leitores e pouquissímos comentadores, e como geralmente tbm não recebo comentários pessoalmente, o texto, em parte, se encerra em si.

Se eu fizesse isso, correria o risco de "ficar sem munição".

De fato há material guardado, inclusive seu (o primeiro e último colaborador ¬¬). Não sei se havia sido vc mesmo ou outra pessoa quem me deu este conselho (lembro-me bem que duas - e tenho certeza que não era uma delas, pelo contrário - enfatizaram a pertinência de criar um layout mais atraente, coisa que já deleguei a outrem, no entanto...); penso que o aumento dos acessos poderia se dar com a adoçao de uma (ou ambas) as medidas citadas, mas sou cético quanto ao aumento significativo do número de comentários, pois meus textos intimidam (¬¬) a alguns.

Por fim, saliento não só que ainda tenho comentários seus a responder na postagem sobre "A revolução não será televisionada" como tbm pretendo adquiri-lo em breve, de modo que poderei comentar outras questões.

Abraço.

Pedro disse...

Rapaz,

Ficar sem munição por um breve período não seria nocivo, mas um incentivo às novas resenhas e contribuições. As postagens têm formato ligeiramente rebuscado, mas de conteúdo facilmente assimilável - e por qualquer um que tenha um arcabouço lexical mínimo.

Já que você tem como último post o Festival de Cannes e a polêmica do Lars Von Trier, poderia ter aproveitado para publicar minha sinopse sobre o penúltimo filme dele, Anticristo, bem como a sua resenha sobre o mesmo filme: casaria bem como a mão e a luva, não acha?

Produziria uma resenha sobre O Homem da Capa Preta, com José Wilker, e que versa sobre um meu parente distante, o Deputado - e cabra-macho - Natalício Tenório Cavalcanti, ex-deputado e prefeito de Caxias (RJ) pelo imortal partido UDN. Mas para ter motivação para escrever, precisaria saber se a maçaroca será publicada, não acha?

By the way: não sei se você ou os leitores do blog estão inteirados, mas começa hoje (dia 02 de julho de 2011) a Quinzena da Venezuela em Pernambuco e o clímax será a partir do dia 11, quando haverá a exibição de quatro filmes venezuelanos contemporâneos no São Luis, às 19 horas.

Abraços

Miradouro Cinematográfico disse...

Não acho que a perda de munição teria tal conotação positiva, pois ficaria ainda mais dificil p/ mim vencer meus dois obstáculos: conciliar tal atividade com outras e vencer a preguiça. O mesmo vale p/ as demais pessoas, que não colaboram mesmo quando passo mais de um mês sem atualizar o blog (exceção feita ao Sr.).

Não poderia, pois não redigi minha resenha sobre "Anticristo", mesmo após revê-lo. Não terias algum adendo à sua sinopse?

Do mesmo modo que há resenhas minhas já prontas mas que estou "segurando", há resenhas suas que passam pelo mesmo processo. Até porque as que me enviaste não se referem a filmes que estavam em cartaz, não havendo urgência p/ publicação. Se parece descaso, peço desculpa; trata-se antes duma forte indiossincrasia.
Redija a resenha que publicarei LOGO.

Quando fui assistir "Lope", no final de semana passado, me inteirei disso, mas como não há folder e não anotei, já havia esquecido a data. Divulgarei aqui e pretendo comparecer. Obrigado pela dica.

Pedro S. disse...

Pensei que você tivesse escrito algo sobre Anticristo, bom você disse que iria tentar escrever.

Não, Alberto, não parece descaso, não (rs), o problema é que gosto de ler sobre filmes e os sites apenas passam uma ligeira sinopse sobre os lançamentos. É raro eu acessar o Miradouro e encontrar uma novidade. Você tem razão no tópico da preguiça. E também, para piorar, nem todo filme é digno de ser resenhado. O último que vi no cinema foi o quelconque Enfim, viúva, produção francesa de 2010. O filme só se salvou no final com o desfecho ao som da música 'Et se tu n'existe pas", de Joe Dessin, que adoro. No mais...

Quero assistir Lope, também. Parece-me um bom filme.

Abraços

P.S. A resenha de O Homem da Capa Preta chegará em breve no seu e-mail, certo?

Miradouro Cinematográfico disse...

Como tivemos algumas conversas bem interessantes nos últimos tempos, julguei que vc conhecesse melhor meu processo criador; vou ilustra-lo melhor e entenderás bem; o filme "V de Vingança" estreou em 2006 e naquela época, Isabela Boskov redigiu uma resenha absolutamente cretina para a Veja, intitulada "B de bobagem"; pois bem, desde aquela época eu me dispus a escrever uma réplica, embora não tencionando enviá-la a autora e até hoje não o fiz, mas isto não significa que não o farei, sacou? Tbm farei a resenha de "Anticristo", mas talvez demore ainda ANOS, e por motivo diferente (no caso deste último, devido à sua complexidade).

Estou tentando terminar a resenha de "Deixe-me entrar", mas a introdução (sobre remakes) sairá maior que a exposição sobre o filme. E após termina-la, começarei a resenhar "Lope" (óbvio, porém excelente!), o qual pretendo rever. E ainda preciso postar sobre o "festival" venezuelano, bem como a convocação a colaboração p/ a lista dos "melhores" filmes da última década.

Envie não só esta, mas outras resenhas, ou simplesmente divagações sobre cinema e/ou temas relacionados.

Abraço.

Pedro S. disse...

Coitada da Boskov: ela nem sonha em lembrar que escreveu aquela resenha sobre V de vingança, enfim... De fato, não tem artifício para melhorar a sinopse do Anticristo, pois apenas vi o filme na época em que esteve na Fundaj.

Eu vi o original e a refilmagem de Deixe-me entar e são ambos ótimos. Não é o tipo de filme que me inspire a escrever, no entanto.

Para fazer uma lista como a que almeja deveria ter visto todos os filmes dos anos 00. Pra mim, é uma missão impossível (este, definitivamente, não entraria numa eventual lista minha).

Miradouro Cinematográfico disse...

É Bem provável, aliás, me peguei pensando se ela não TEVE de dar tal enfoque devido a flagrante linha editorial de extrema direita da infame revista Veja.

Concordo que ambos são ótimos, mas o primeiro é melhor. No entanto, ainda não será hoje que postarei ¬¬

IMPORTANTE: Não se trata propriamente de lista dos MELHORES da década, pois havia atinado p/ este fato: uma lista de "melhores" supõe conhecer TODOS; assim, o título mais correto seria "filmes que merecem destaque na década passada", havendo ai um comprometimento menor, além de não termos pretensão de objetividade. E, assim sendo, a missão deixa de ser impossível p/ o Sr., p/ mim e p/ outras pessoas.

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Miradouro Cinematográfico
Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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